A pandemia de Covid-19 trouxe mudanças no comportamento sexual da população. Os impactos sobre a vivência da sexualidade foram diferentes para casais que moram juntos, separados e pessoas no início da vida sexual, como mostrou a pesquisa “Sexvid”.
O medo do contágio por uma doença inicialmente desconhecida fez com que pessoas solteiras evitassem relações, principalmente com parceiros casuais. Os encontros ganharam novos contornos, como a possibilidade de interação virtual e além do incremento na troca de mensagens eróticas.
O prolongamento da pandemia trouxe preocupações que reduziram a frequência e a satisfação sexual entre os casados. Questões de saúde, luto pela perda de entes queridos, dificuldades econômicas e incertezas quanto ao futuro foram alguns dos elementos de preocupação e ansiedade.
A sexóloga Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que a falta de sexo pode ser um problema para a saúde ao afetar a mente e o corpo, além de causar sintomas de sofrimento psicológico.
“Durante o sexo, nós temos a liberação de dopamina, endorfinas e ocitocinas, que são substâncias altamente prazerosas e dão uma sensação de bem-estar, de conforto e pertencimento. Quando alguém não está fazendo sexo, desejaria e não consegue por alguma razão, fica ressentido da falta dessas substâncias. Então, vai ficar mais irritadiço, inclusive com humor alterado podendo chegar à depressão ou à ansiedade”, afirma Carmita.
A falta de sexo pode provocar irritabilidade, quadros depressivos e queda da imunidade. O professor de psicanálise Ronaldo Coelho afirma que o problema pode ser maior entre os casais monogâmicos quando um deseja o sexo e o outro não.
“Isso pode levar a uma confusão no parceiro que não compreende o que se passa na relação e pode se culpar a ponto de levar a transtornos sexuais, depressão, ansiedade, além do resultado que o efeito do sentimento de rejeição pode causar na autoestima do parceiro”, afirma.
Papel do sexo em diferentes fases da vida
A ausência de sexo quando há um desejo é marcante para qualquer idade, em qualquer fase da vida. No entanto, os especialistas explicam que a falta é sentida de maneira mais significativa por jovens, devido a fatores hormonais e comportamentais.
“É natural se imaginar que o jovem necessita de sexo, ele está com os hormônios em plena ebulição e, claro, tudo isso leva à motivação sexual nessa fase da vida”, afirma Carmita. “Aqueles que estavam passando da puberdade para a adolescência não deixaram de viver essa fase apesar da pandemia, eles viveram um sexo possível. Em parte dos casos, a iniciação sexual não foi com alguém, mas através de instrumentos como a masturbação com estímulo digital”, completa.
O psicanalista Ronaldo Coelho afirma que, conforme há um avanço da idade, as pessoas passam por mudanças hormonais e de perspectivas sobre a forma como o sexo está inserido na vida.
“Os jovens produzem mais e com maior facilidade os hormônios que ativam a tensão e o desejo sexual. Deste modo, a privação do sexo por ser mais atormentadora para eles. Quando as pessoas vão ficando mais velhas, é comum que não só os hormônios mudem, mas também o lugar que o sexo ocupa, assim, uma privação pode ser sentida com menor intensidade”, explica.
O especialista afirma que o desejo sexual permanece entre pessoas idosas e que a ausência do sexo nessa faixa etária também pode trazer impactos negativos.
“É um mito que não haja desejo sexual entre pessoas idosas. Mesmo o sexo podendo ganhar outros sentidos e lugares, para muitos ele somente é inibido, para outros ele continua tendo um papel importante e essas pessoas, quando privadas de sexo, sentem do mesmo modo como os jovens”, diz.
Falta de interesse
Por outro lado, a realização da atividade sexual por quem não está tão interessado também pode ser um problema para a saúde. Segundo a sexóloga Carmita Abdo, uma parcela da população sofre com essa questão, apresentando pouco ou nenhum interesse em sexo.
Entre as causas estão componentes genéticos, aspectos comportamentais e desequilíbrios hormonais, como a falta de hormônios sexuais e da tireoide, ou doenças como diabetes e depressão.
Segundo Carmita, além do desconforto, esses indivíduos podem ter dificuldades em encontrar parceiros.
“Existem pessoas que vivem muito bem sem sexo e não podemos entendê-las como problemáticas, mas simplesmente como uma característica. Em todo o mundo, existem pessoas que chamamos ‘assexuais’, pessoas que não são ‘hetero’, nem ‘bi’, nem ‘homo’, mas são assexuais. Não significa necessariamente que elas nunca façam sexo, mas que podem fazer muito pouco e não têm uma necessidade habitual”, explica.
A falta de sexo nesses casos pode não causar quase nenhum mal-estar ou desconforto. “Há pessoas que estão satisfeitas com a quantidade de sexo que tem. Outras, mesmo não tendo sexo, não sentem vontade de ter. São múltiplos os fatores e certamente varia para cada pessoa, sendo impossível generalizar”, pontua Coelho.
“A relação que a pessoa tem com o sexo pode ser de tal forma que uma baixa frequência masturbatória já é satisfatória. Algumas pessoas já estão cansadas de desenvolverem relacionamentos e o sexo acaba ganhando um lugar de pouca ou nenhuma importância, por exemplo”, completa o psicanalista.