Com um canal direto com seguidores pelas redes sociais, a nutricionista Isabella Lacerda (@isabellalacerda_nutri no Instagram) responde aos mais diversos tipos de perguntas sobre o alimentação, hábitos, modinhas e afins. Ela recorre ao bom humor e até mesmo ao sarcasmo para falar com quem a procura para tirar dúvidas e assim, em um ano, a profissional passou de 500 para 1 milhão de seguidores, contando os públicos do Instagram e do Tik Tok.

Com foco no equilíbrio e de maneira sarcástica, Isabella ao mesmo tempo orienta sobre como ter uma alimentação saudável pode ser possível – às vezes, sem tanto sacrifício.

Em entrevista à CNN, a nutricionista fala sobre qualidade de vida, suplementos, atividade física e a criação do hábito na busca por um estilo de vida com saúde.

CNN: Como surgiu a ideia de falar sobre alimentação com humor?

Isabella Lacerda: Quando conversamos entre nutricionistas, usamos termos técnicos que pra nós fazem muito sentido. Só que para as pessoas que não entendem tão bem, fica vago e difícil de assimilar. Durante a faculdade, me frustrava muito com fake news e influencers que falavam coisas absurdas e comecei a pensar em qual seria a melhor forma de passar para as pessoas o que eu sei com e sem termos técnicos, mas de maneira que também prenda a atenção delas.

Daí veio a ideia de entrar com o humor, com esse jeitinho da Nutri Sarcástica, de tentar ensinar para as pessoas que têm outras formas fáceis, mais simples e que doem menos que essas práticas que vemos por aí.

CNN: Você combate a ideia de que alguns alimentos são “vilões”?

IL: Sim, todos os dias. Recebo inúmeras mensagens perguntando sobre alimentos isolados específicos. É muito frustrante ver isso, por que se você comer tudo em quantidades adequadas para você e sua fome não tem motivo para que uma granola seja inflamatória ou para que uma manteiga não seja saudável, por exemplo.

Comer 100 gramas de arroz no almoço e no jantar e um pão de manhã não vai te engordar. O que sempre engordou a população mundial foi o excesso. Tem toda uma questão de qualidade por trás, mas existe uma lógica: você ganha peso quando come mais do que gasta e perde peso quando come menos do que gasta.

CNN: Quais são os principais erros cometidos pelas pessoas no que diz respeito à nutrição?

IL: Na questão de emagrecimento, é cortar tudo de uma vez. Uma pessoa para emagrecer decide cortar doces, refrigerante, lanches, etc. Ao restringir o consumo de doce por uma semana, por exemplo, a primeira coisa que as pessoas vão pensar é na vontade de comer um doce.

O que me irrita nessas dietas é que elas não mudam os hábitos, elas mudam só a superfície. Claro que a pessoa vai ter uma recaída por que ela cortou tudo o que a dava prazer. Quando a gente pensa em emagrecimento, cortar tudo de uma vez só funciona para 5% das pessoas, para 95% é efeito rebote ou sanfona, além de um péssimo relacionamento com a comida, sendo que você tem a forma de comer tudo, mas nas quantidades e momentos certos.

Em relação ao ganho de massa, qualquer pessoa que começa a fazer academia acha que precisa de suplementos, como Whey, creatina, beta-alanina, arginina, sem fazer ideia do que está tomando. Para ganho de massa, pode ser interessante o uso de suplementos, mas varia caso a caso. Tenho vários pacientes no consultório para ganho de massa e não tem nenhum suplemento para eles por que não precisa.

CNN: O uso de suplementos de maneira indiscriminada pode ser prejudicial?

IL: A necessidade para cada pessoa varia de caso a caso. Por exemplo: tenho uma paciente que começou a musculação agora. Não tem por que indicar creatina, sendo que ela nem criou o hábito de malhar. Para essa paciente, quando calculamos o plano alimentar com base no gasto energético, percebemos que é possível entrar no superávit calórico sem a necessidade de suplementos. Ela já estava batendo as metas diárias de proteína, carboidrato e de gordura. Outro paciente, em treinamento há mais de seis meses, com metabolismo muito acelerado, precisa de suplementação. Há necessidade de incluir um hipercalórico e uma creatina uma vez que o treino dele é muito mais pesado. Percebemos que, para alcançar a quantidade calórica que ele precisa, é necessário um extra.

Sobre os riscos da utilização indiscriminada, depende do tipo de suplemento. O Whey é 100% seguro, por exemplo. A creatina também, mas há pessoas que tomam 20 gramas por dia achando que quanto mais melhor, sendo que a dose diária é de 3 a 5g por dia. O excesso de creatina, aliado à falta de ingestão de água, pode sobrecarregar os rins, o que é um perigo.

Há também o consumo de termogênicos e de pílula de cafeína ao mesmo tempo, sendo que as duas coisas têm cafeína, levando a ataques de ansiedade, tremedeira e desmaios no meio do treino devido ao excesso de suplementação desnecessária. Anabolizantes são o mesmo perigo, mas se eu faço o alerta de maneira dura, entra por um ouvido e sai pelo outro. Quando eu falo sobre isso com um pouco mais de graça, a pessoa se afeiçoa pelo discurso e segue a orientação mais do que se eu estivesse ‘brigando’.

CNN: Além dos riscos para a saúde, o uso de suplementos sem orientação também pode ser um desperdício?

IL: Sim. Um bom exemplo disso é o BCAA. O povo fala que eu odeio BCAA (risos). Mas a gente já consegue tudo que tem dentro do BCAA em outros suplementos ou puramente com a alimentação. Tudo o que o seu corpo tem em excesso, ele manda diretamente para fora, considerando micro e macro nutrientes.

Temos também o consumo de doses altas de multivitamínicos, que levam ao excesso de vitamina E, A ou B, que também tem seus malefícios. É preciso tomar muito cuidado com suplementação, qualquer coisa que você tome sem a supervisão de um profissional pode ser perigoso, não só na questão financeira – tem gente gastando dinheiro à toa com coisas que não têm funcionalidade nenhuma, além do lado da saúde.

Suplementos devem ser consumidos com orientação profissional, diz nutricionista / Volodymyr Hryshchenko/Unsplash

CNN: Como é possível falar com crianças e adolescentes para se despertar uma relação melhor com a alimentação?

IL: Uma educação sobre alimentação nas escolas seria muito interessante. Você conseguiria abordar esse tema com crianças e adolescentes da melhor forma possível, explicando que todos os grupos alimentares têm que fazer parte da sua vida, caso você não tenha alguma alergia ou crença específica. Tudo faz parte, nas quantidades certas.

Os pais também têm papel importante ao determinar a alimentação das crianças e dos adolescentes. A introdução alimentar define a alimentação dos filhos durante muitos anos. Perdi a conta de quantos pacientes aparecem no consultório com mais de 50 anos e paladar infantil – a primeira coisa que eles falam é que, durante a infância, a mãe ou pai nunca incentivaram o consumo de verduras.

Além disso, é importante pensar na situação socioeconômica do país e que não são todas as famílias que têm a possibilidade de ter isso à mesa.

CNN: O Ministério da Saúde alerta para o aumento no consumo de ultraprocessados, como tentar substituir alimentos que podem ser mais baratos ou práticos por opções mais saudáveis?

IL: O esforço de abrir a geladeira e todo o processo de cozinhar e lavar a louça parece muito cansativo, principalmente na parte da noite. Com a pandemia, tivemos um ‘boom’ de delivery, quem já não gosta de cozinhar sempre pede comida para entregar. Se você pegar uma manhã, como um sábado, é possível planejar e preparar refeições que podem ser consumidas durante a semana. Quando chega a noite, você está exausto e quer algo rápido, já tem aquela canja pronta na geladeira ou uma marmita ‘fit’.

Ao definir um planejamento semanal de jantar, almoço e café da manhã, o que pode ser feito durante um sábado ou domingo de manhã, é possível trocar o hábito de pedir delivery ou comer alimentos ultraprocessados por opções mais saudáveis.

CNN: Qual a importância de criar o hábito alimentar e como as dietas podem interferir nisso?

IL: Por que eu desgosto tanto das dietas: elas nunca foram feitas para se manter, mas para acabar com o relacionamento com a comida. Quem vai viver na dieta do ovo durante o resto da vida? Que pessoa vai viver fazendo a dieta da Lua, da sopa, líquida ou low carb para o resto da vida? Pensando na vida prática das pessoas, não é real ou sustentável.

Quando alguém promete perda de 10 quilos em um mês, já vem aquela sensação ‘Meu Deus do céu, eu vou resolver o meu problema em um mês, ao invés da nutricionista que está falando que vou resolver meu problema em um ano – eu vou para esse de um mês’.

Mas é um mês tão difícil. As pessoas sofrem com dieta. São momentos perdidos com amigos, com a família, por que não se pode sair para comer, tem que levar marmita, não é prazeroso, não é gostoso. Mas a ‘recompensa’ de ter dez quilos a menos é o suficiente para fazer com que as pessoas entrem em ciladas. Se fosse dado um ano para, aos poucos, retirar o excesso de alguns alimentos, incluir outros com aquele estilo de vida 80% a 20%, você veria que é muito mais fácil de manter: você cria o hábito, pega o gosto, vê o resultado e mantém.



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